Por detrás do terno, há ternura?
Entrevistador: "Qual foi sua maior realização no último emprego?".
Candidato: "Bom, teve várias. Mas deixe-me falar desta e tal e tal".
Entrevistador: "Ok, ok. E quais são seus planos? Aonde você quer chegar?".
Candidato: "Estou me preparando para uma gerência ou diretoria".
E assim por diante: realizações, projetos, resultados, MBA's, viagens internacionais, metas, downsizings, reestruturações, bônus, promoções, novos investimentos, reduções de custos, savings, entre outros. Tudo tão eficaz. Tudo tão pragmático. Sim, claro, uma exagerada aqui, uma omissão ali. Mentir é errado; não pode. Mas entre a mentira e a verdade, poxa, há algumas variantes.
A linguagem é consensada: sempre baseada em fatos, realizações e resultados. O candidato se dispõe a falar tudo aquilo que ele aprendeu nos manuais de empregabilidade. O entrevistador, com sua infalível cabeça sempre fazendo "hum hum", fingindo que está tudo ok e bola pra frente. Mas para não ficar só no aspecto profissional, claro, o entrevistador engata com os clássicos: "Quais são seus pontos fortes?", "Quais são seus pontos a desenvolver?".
À primeira pergunta, o candidato responde "sou muito focado em resultados e sou muito flexível". Em relação ao "ponto a desenvolver", normalmente vem algo do tipo: "Sou muito ansioso. Preciso controlar mais minha ansiedade". Ou pior: "Acredito muito nas pessoas; acho que preciso ser menos inocente".
Nada contra as realizações, resultados, MBA's, pontos fortes e fracos, inocências e ansiedades. Enfim, a gente brinca, mas não desdém. Estas coisas precisam ser consideradas. Fazem parte do jogo. Todo e qualquer conteúdo que surge no processo de avaliação de perfil pode ser considerado; são peças de um quebra-cabeça; são traços de um retrato falado.
O que acontece é que muitas vezes o profissional de seleção se esquece de entrevistar a pessoa. Ele entrevista o currículo, mas este não tem alma, não tem personalidade. Currículo tem realizações, resultados, competências, estas coisas.
Currículo é um portfólio de vendas. Nele se desenha didática e graficamente o histórico profissional e educacional de alguém. Estando um currículo aprovado, parte-se para a avaliação "téti-a-téti". E nesta etapa, normalmente verifica o que está escrito no papel. Claro! É preciso checar agora se o profissional relata com consistência suas experiências; se ele é um coadjuvante ou protagonista dos resultados que relata.
Mas não é só isto. Não pode ser só isto. Ali está um ser humano. O terno de grife é muito bonito; a bolsa caríssima combinando com os detalhes do calçado são perfeitos. No entanto, vamos parar e analisar: tudo tão igual, tudo tão previsível. E por detrás de tudo isto, quem está? "O que te faz feliz?", "Em que valores você acredita?", "Quais são suas maiores convicções?", "E decepções?".
Poxa, são tantas outras coisas possíveis de se desvelar que o espaço aqui fica muito curto. Sobretudo, os profissionais que assumirão posição de liderança, é imprescindível que os conheçamos sob todas as óticas. Liderar pessoas não é somente uma habilidade ou competência. A liderança - queira ou não - também é influenciada por uma série de valores e crenças pessoais; medos e expectativas; sonhos realizados e frustrados; visões de mundo e de ser humano; traumas e alegrias. E todas estas coisas não se desvendam com uma "entrevista curricular". Elas estão no campo da individualidade e da personalidade.
Claro, não percamos isto de vista: uma entrevista de seleção tem uma finalidade prática e concreta. Não é um momento de desabafo terapêutico. Queremos checar se o profissional "X" tem perfil ou não para a vaga "Y". Acontece que o candidato "X" não é somente uma lista de competências, nem a vaga "Y" se resume a um job description.
A cada dia, o profissional de seleção vem sendo convidado à inovação e à criatividade. Os manuais e os treinamentos do tipo "como conseguir emprego" estão por aí, formando (ou deformando) muitos profissionais com respostas na ponta da língua. Até o jeito de cruzar as pernas estão ensinando.
Face a isto, não há outra coisa a fazer que não seja se aprimorar. Desenvolver técnicas, abordagens, estratégias para "furar o cerco". Não pedimos aos candidatos que sejam "eles mesmos"? Pois bem, eles não serão eles mesmos assim tão fácil. O aspirante ao emprego quer a vaga. E para isto ele vai usar as armas dele. Se o selecionador quer o profissional certo, que use as suas. Se elas estão obsoletas, modernize-se, reinvente-se. Os candidatos estão fazendo isto constantemente. Instinto de sobrevivência, ora. Todos precisam trabalhar.
Antes de concluir se a pessoa está apta ou não, acho interessante compreendê-lo. Perceber suas atitudes, seu estilo, sua "marca própria", sempre dentro de um contexto e uma teia de valores.
Avaliar perfil é difícil. A tentação do preconceito está sempre nos rondando. Mas vale a pena enfrentar. Aos poucos, vamos percebendo como todos nós, de operadores de produção a altos executivos - a despeito de todas as diferenças - temos carências parecidas. E que por detrás destes macacões e ternos há muitas histórias. E que histórias!